Tecnologia ou Liberdade Digital?

os indivíduos que interagem nesses mercados digitais são auxiliados, e às vezes coagidos, por algoritmos computacionais para fazer suas escolhas

Por Shriraksha Mohan


Os sistemas econômicos evoluíram constantemente, sendo influenciados pelas necessidades humanas, normas socioculturais, eventos históricos e inovações tecnológicas de suas respectivas épocas. No século XXI, inovações tremendas em tecnologias digitais têm exercido grande influência no funcionamento das economias. As tecnologias digitais e os smartphones redefiniram o conceito de mercado. O comércio e as transações comerciais migraram para o ambiente online. Os mercados já não estão restritos a shoppings físicos ou centros comerciais. Nesse cenário, os indivíduos que interagem nesses mercados digitais são auxiliados, e às vezes coagidos, por algoritmos computacionais para fazer suas escolhas.


Economistas que observam essa nova forma de capitalismo mediado por tecnologia opinam que essa etapa do capitalismo pode estar inaugurando uma era de neofeudalismo, dominada por tecno-oligarcas que acumularam quantidades desproporcionais de riqueza e conquistaram um controle excessivo sobre os recursos digitais. Com esse controle, esses capitalistas conseguem dominar todos os aspectos de nossas vidas, assim como os senhores feudais faziam nas sociedades feudais. Alguns chamam isso de “tecno-feudalismo”, outros de “feudalismo digital” ou “feudalismo da informação” e ainda outros de “feudos digitais” (1).


No passado, quando o capitalismo substituiu o sistema socioeconômico do feudalismo, ele prometia libertar os servos ou trabalhadores agrícolas do controle dos senhores feudais, que eram donos das terras agrícolas onde os servos trabalhavam e produziam alimentos. Os servos adicionavam valor à economia, enquanto os senhores usurpavam esse valor. O sistema capitalista, auxiliado pelo surgimento de novas tecnologias, ampliou as atividades comerciais e os mercados nos quais as mercadorias poderiam ser vendidas, oferecendo àqueles que produziam bens a oportunidade de determinar seu futuro econômico.


Os trabalhadores agrícolas não precisavam mais estar sob o jugo econômico dos senhores feudais. Até então, os proprietários acumulavam riqueza por meio das rendas cobradas pelas terras, sem serem produtivos, passando as terras para seus herdeiros. Como resultado, algumas famílias privilegiadas detinham poder político e econômico no feudalismo. O capitalismo, até certo ponto, desmantelou esse poder baseado em clãs e heranças. No capitalismo, a tradição e a hierarquia feudal não ditavam o comércio; o capital disponível para investimento e os mercados determinavam as trocas comerciais.


A sociedade comercial que se seguiu ao feudalismo, identificada como capitalismo por estudiosos, foi caracterizada pela presença de mercados fora das propriedades feudais. Isso facilitou o comércio e a troca de mercadorias entre as pessoas. Os mercados foram vistos como uma força libertadora, principalmente porque permitiram que as pessoas satisfizessem suas necessidades sem estarem sujeitas à exploração severa dos senhores feudais. Portanto, o capitalismo foi percebido como um sistema um pouco mais favorável aos trabalhadores agrícolas do que o feudalismo. Desde então, o capitalismo sofreu mutações, assumindo diferentes formas e características ao longo do tempo.


Os capitalistas mercantis convenceram reis e rainhas de que expandir seus mercados para o exterior era a melhor maneira de atender aos interesses econômicos das nações europeias. Isso levou à colonização e à brutal subjugação de sociedades não europeias. O capitalismo da era da primeira Revolução Industrial, caracterizado pelo avanço das tecnologias de manufatura e aumento da produtividade, resultou na exploração da classe trabalhadora por industriais gananciosos. Isso criou cidades superlotadas, pobreza devido a baixos salários, poluição, trabalho infantil e condições de vida precárias para os trabalhadores industriais. A promessa do capitalismo de mercados livres e sua capacidade de melhorar as condições econômicas das massas já parecia questionável.


O capitalismo do século XX foi caracterizado pelo domínio de grandes corporações que possuíam quantidades desproporcionais de capital e controlavam os mercados, o trabalho e outros meios de produção para maximizar seus lucros. Essas corporações eram consideradas monopólios. Agora, no século XXI, uma nova forma de capitalismo surgiu. Alguns economistas opinam que o capitalismo em sua encarnação atual é mais explorador, semelhante ao feudalismo do passado. Os monopólios se fortaleceram e controlam o que compramos e vendemos como nunca antes.


De acordo com Yanis Varoufakis, autor de Technofeudalism: What Killed Capitalism?, a mutação atual do capitalismo no século XXI é resultado do avanço das tecnologias digitais. Ele afirma: “Entre na Amazon e você terá saído do capitalismo. Apesar de todas as compras e vendas que acontecem lá, você entrou em um reino que não pode ser considerado um mercado, nem mesmo um mercado digital.” (2) O que torna essa forma de capitalismo tão diferente?


No feudalismo, a renda dos senhores feudais vinha das rendas cobradas; no capitalismo, a renda dos capitalistas vem dos lucros. Os lucros são o resultado da criação de bens ou serviços, enquanto as rendas provêm da posse e do acesso privilegiado a recursos como terras, edifícios, combustíveis fósseis, matérias-primas, etc., que, por si só, são improdutivos ou estéreis. Yanis Varoufakis usa essa distinção para apontar que as grandes corporações tecnológicas, que antes investiam em tecnologias de nuvem, transformaram-se em plataformas de nuvem que podem prosperar cobrando altas taxas de aluguel ou assinaturas, mesmo sem produzir nada de valor. Elas têm uma existência parasitária.


O modelo de negócios dos provedores de serviços de nuvem permite que eles cobrem taxas para hospedar aplicativos, dados, softwares e sites de comércio eletrônico nos quais as pessoas interagem ou compram e vendem produtos. Esses provedores de serviços de nuvem não produzem nada por si mesmos. O investimento feito em “capital de nuvem”, como servidores, cabos de fibra óptica e redes de computadores distribuídas, agora está rendendo na forma de aluguéis que podem cobrar para hospedar produtos criados por outros capitalistas. Eles controlam os algoritmos que determinam o que os usuários finais veem quando interagem com sites e outras tecnologias hospedadas em suas plataformas de nuvem.


Isso não surpreende muitos de nós que estamos acostumados a ver como um site ou aplicativo sabe o que queremos comprar, mesmo antes de decidirmos ativamente procurar pelo item. Dados de usuários e preferências são outra forma de capital de nuvem. Varoufakis compara essa situação ao feudalismo, devido à sua opinião de que o mercado livre não existe mais, de nenhuma forma. Algoritmos em plataformas de nuvem controlam todas as interações humanas. Ninguém é livre para decidir por si mesmo ao interagir com a tecnologia digital. Além disso, há o surgimento de uma classe rentista ultrarrica de proprietários de tecnologia em nuvem, que Varoufakis chama de “cloudalistas”.


Estamos vivendo em uma distopia pós-capitalista definida pelo tecno-feudalismo? Ou o tecno-feudalismo anuncia o fim do capitalismo? Embora possamos não ter as respostas para essas perguntas, sabemos que as tecnologias digitais formam a base da comunicação e do comércio no mundo de hoje. O controle democrático das tecnologias digitais pode ser um caminho a seguir. A propriedade pública de algoritmos pode garantir o uso responsável de dados e preferências dos usuários, tornando o processo mais transparente. A comunicação digital (mídias sociais, plataformas de mensagens, serviços de internet) deve ser reconhecida como uma indústria chave, com grande impacto socioeconômico. Indústrias essenciais devem operar com base no princípio de “sem lucro, sem prejuízo”, não sendo sujeitas às instabilidades do mercado.


Órgãos governamentais locais devem desempenhar um papel ativo no monitoramento das informações disseminadas em plataformas de nuvem e na regulamentação delas. Os “cloudalistas” não devem ser autorizados a acumular cada vez mais riqueza, o que os capacita ainda mais a exercer controle total sobre recursos compartilhados, tanto digitais quanto materiais. Os mercados de ações são os maiores culpados em facilitar o movimento ascendente da riqueza para os capitalistas. Grandes empresas de tecnologia visam aumentar os lucros para seus acionistas, em vez de criar produtos com valor econômico e social para as pessoas. Projetar políticas para o uso ético e benevolente das tecnologias digitais e para a regulação do mercado determinará a trajetória do nosso futuro econômico.


Referências:


    Evgeny Morozov, Critique of Techno-Feudal Reason, NLR 133/134, Janeiro–Abril 2022 (newleftreview.org)

    https://www.theguardian.com/books/2023/oct/30/the-big-idea-has-the-digital-economy-killed-capitalism

Sarkar sobre o Afghanistan e o Status das Mulheres
Sarkar, explains how Afghanistan played an important role in the development of Tantra and the Indo Aryan civilization, the spread of the Sanskrit language and the contributions made by the historical figure Shiva to world culture.